sexta-feira, 30 de março de 2012

BGC - tema 1.2

1.2 - O valor da Biodiversidade

La biodiversité est l'une des plus grandes richesses
 de la planète, et pourtant la moins reconnue comme telle
Edward O. Wilson, 1992

Conforme abordámos em tópico anterior dedicado a “Conceitos de Biodiversidade”, a Biodiversidade é propriedade fundamental da natureza, responsável pelo equilíbrio e estabilidade dos ecossistemas.
Num contexto em que o bem-estar da humanidade é totalmente dependente do fluxo contínuo dos "serviços ambientais", que constituem predominantemente bens públicos sem mercado e preço, sendo, por isso, raramente detetados pelos indicadores económicos atuais, a sociedade atual enfrenta dois grandes desafios: a aprendizagem da “natureza do valor” e a descoberta do “valor da natureza”. O primeiro pretende ampliar o conceito de "capital", de modo a incluir os capitais humano, social e natural; o segundo refere-se ao reconhecimento do valor da natureza, que, mesmo sendo fonte de vida todos os dias, é ignorado pela maioria, pelos mercados, pelos preços, pela avaliação” como defende Stavros Dimas, Delegado da Comissão Europeia do Ambiente, 2008 [1].

Diversidade biológica representa saúde da Terra e constitui base da vida/prosperidade da humanidade.
Falar do “Valor da Biodiversidade”, falar de “valor” é uma questão mais profunda do que à primeira vista parece. Relacionados com “valor” temos, segundo Vaz e Delfino, 2010, que perceber como se encadeiam os seus elementos constituintes surgindo, assim os conceitos de “valor extrínseco” e “valor intrínseco”: o extrínseco é o valor derivado, por exemplo, o valor instrumental das coisas por causa da sua utilização atual ou potencial e o valor artístico que deriva da apreciação por terceiros, podendo ser instrumental, por causa da sua utilização atual ou potencial, ou inerente, como as obras de arte ou outros objetos de apreciação, como os objetos naturais, e o “valor intrínseco”, de difícil explicação, é o valor que uma determinada coisa tem devido á sua própria natureza, e as coisas são “intrinsecamente” valiosas, sem outras razões, porque meramente existem motivações para as promover, apreciar ou proteger devido à sua própria natureza. O valor instrumental tem, assim, a ver com a nossa vontade, interesses e desejos e o intrínseco tem a ver com aquilo que a coisa representa e não pelo modo de uso.
Por outro lado falar de “valor” não pode ser dissociado das suas diversas teorias, desde o antropocentrismo, sencientismo, biocentrismo, ecocentrismo e holismo. Não sendo esse o objetivo desta abordagem (as teorias) não podemos, todavia, deixar de pensar em função dessas encontrando em cada uma delas fortes argumentos uteis na presente “avaliação”.

Assim sendo falar sobre “Valor da Biodiversidade” pode ser visto em várias das perspetivas acima enunciadas: é inegável a utilidade (valor instrumental) que a Biodiversidade tem, pela valorização material que lhe damos, assim como é inegável o valor intrínseco porque há razões para a valorizar em si mesma e não apenas como meio.
Face ao exposto o valor da biodiversidade baseia-se nos seguintes[2], extrínsecos e/ou intrínsecos:
- valor intrínseco – todas as espécies são importantes intrinsecamente, por questão ética e moral.
- valor funcional – cada espécie tem papel funcional no ecossistema: predadores regulam população de presas, plantas fotossintetizantes participam do balanço de gás carbônico na atmosfera, etc.
- valor de uso direto – muitas espécies são utilizadas diretamente pela sociedade humana, como alimentos ou como matérias primas para produção de bens.
- valor de uso indireto – outras espécies são indiretamente utilizadas pela sociedade. P. ex., criar abelhas em laranjais favorece a polinização das flores de laranja, resultando na melhor produção de frutos.
- valor potencial – muitas espécies podem futuramente ter um uso direto, como por exemplo espécies de plantas que possuem princípios ativos a partir dos quais podem ser desenvolvidos medicamentos.
È um dado adquirido que a espécie humana depende da Biodiversidade para a sua sobrevivência. Mas, afastando-nos desta postura antropogénica, mais inegável é que todo um Planeta depende da sua Biodiversidade e esse é, por certo, o seu maior valor.

Fonte de imenso potencial de uso econômico, a biodiversidade é, além das cruciais questões do ar e alimentação, a base das atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais e, também, a base para a estratégica da indústria da biotecnologia, para as energias, conhecidas ou a explorar, entre muitas outras funções, incluindo até as da lazer. São muitos os valores que a diversidade biológica possui, além dos acima referidos e “tipificados” e que poderiam ramificar para valor ecológico, genético, social, econômico, científico, educacional, cultural, recreativo, estético, entre muitos.

Um dos aspetos, embora em termos do antropogenismo, muito importante, a ter em conta, tem a ver com o valor económico: muitos cientistas, de mais diversas áreas, insistem nesse aspeto da proteção da diversidade biológica. Deste modo, Edward O. Wilson escreveu em 1992 que a Biodiversidade é uma das maiores riquezas do planeta, e, entretanto, é a menos reconhecida como tal. A maioria das pessoas vê a biodiversidade como um reservatório de recursos que devem ser utilizados para a produção de produtos alimentícios, farmacêuticos e cosméticos. Este conceito de gestão de recursos biológicos provavelmente explica a maior parte do medo de se perderem estes recursos devido à redução da Biodiversidade. Entretanto, isso é também a origem de novos conflitos envolvendo a negociação da divisão e apropriação dos recursos naturais.

Para os defensores acima referidos, uma estimativa do valor da Biodiversidade é uma pré-condição necessária para qualquer discussão sobre a distribuição da riqueza da Biodiversidade. Num trabalho publicado na Nature em 1997, Constanza e colaboradores estimaram o valor dos serviços ecológicos prestados pela natureza. A ideia geral do trabalho era contabilizar quanto custaria por ano para uma pessoa ou mais, por exemplo, polinizar as plantas ou quanto custaria construir uma qualquer estrutura natural vital, por exemplo, para um rio. O trabalho envolveu vários "serviços" ecológicos e chegou a valores de duas vezes o produto interno bruto mundial! Este é o valor económico que a Biodiversidade nos presta, dia após dia, ano após ano…

Pese embora a importância desta abordagem e do estudo acima indicado, é muito redutor avaliar a biodiversidade apenas nesta perspetiva. Assim sendo é necessário ter em conta outros valores, designadamente, os éticos, porquanto há que mudar a forma de o homem se relacionar com outros seres e, sem ter uma análise antropocêntrica, o homem, enquanto espécie pensante e dominante, tem o dever moral de proteger as outras formas de vida seja pela preservação das espécies, seja pelo respeito aos ecossistemas, os relacionados com a estética e a espiritualidade, por ser inegável a ligação entre o bem-estar humano e a sua natureza interior, os de ciência e educação, porquanto a biodiversidade é importante para conhecer salvaguardar, e, acima de tudo, os aspetos da vida.

É porque o homem cada vez mais reconhece o “Valor da Biodiversidade”, ou, para ser mais preciso e coerente, os seus Valores, que está na ordem do dia o Status jurídico da Biodiversidade, reconhecendo-se, assim, que esta deve ser avaliada e a sua evolução, analisada (através de observações, inventários, conservação...), as quais devem ser levadas em consideração nas decisões políticas. Está, por isso, a começar a receber uma direção jurídica [2]:
- “A relação "Leis e ecossistema" é muito antiga e tem consequências na Biodiversidade. Está relacionada com os direitos de propriedade pública e privada. Pode definir a proteção de ecossistemas ameaçados, mas também alguns direitos e deveres (por exemplo, direitos de pesca, direitos de caça). 
- "Leis e espécies" é um tópico mais recente. Define espécies que devem ser protegidas por causa da ameaça de extinção. Algumas pessoas questionam a aplicação dessas leis. 
- "Lei e genes" tem apenas um século. Enquanto a abordagem genética não é nova (domesticação, métodos tradicionais de seleção de plantas), o progresso realizado no campo da genética nos últimos 20 anos leva à obrigação de leis mais rígidas. Com as novas tecnologias da genética e da engenharia genética, as pessoas estão a refletir sobre o patenteamento de genes, processos de patenteamento, e um conceito totalmente novo sobre o recurso genético. Um debate muito caloroso, hoje em dia, procura definir se o recurso é o gene, o organismo, o DNA ou os processos. 
A convenção de 1972 da UNESCO estabeleceu que os recursos biológicos, tais como plantas, eram uma herança comum da humanidade. Essas regras provavelmente inspiraram a criação de grandes bancos públicos de recursos genéticos, localizados fora dos países-recursos.
Novos acordos globais (Convenção sobre Diversidade Biológica), dão agora direito nacional soberano sobre os recursos biológicos (não propriedade). A ideia de conservação estática da Biodiversidade está a desaparecer e a ser substituída pela ideia de uma conservação dinâmica, através da noção de recurso e inovação.
Os novos acordos estabelecem que os países devem conservar Biodiversidade, desenvolver recursos para sustentabilidade e partilhar benefícios resultante do uso. Sob essas novas regras, é esperado que o Bioprospecto ou coleção de produtos naturais seja permitido pelo país rico em Biodiversidade, em troca da divisão dos benefícios.
Princípios soberanos podem depender do que é melhor conhecido como Access and Benefit Sharing Agreements (ABAs). O espírito da Convenção sobre Biodiversidade implica consenso informado prévio entre o país fonte e o coletor, a fim de estabelecer qual recurso será usado e para quê, e para decidir acordo amigável sobre divisão de benefícios. O Bioprospecto pode se tornar um tipo de Biopirataria quando esses princípios não são respeitados.”[2].

Em função do cada vez mais reconhecido “Valor da Biodiversidade”, cabe aqui lugar a avaliar quais são as maiores ameaças: a poluição, o uso excessivo dos recursos naturais, a expansão da fronteira agrícola em detrimento dos habitats naturais, a expansão urbana e industrial, tudo isso está levando muitas espécies vegetais e animais à extinção. A cada ano, aproximadamente 17 milhões de hectares de floresta tropical são desmatados. Estimativas sugerem que, a continuar, entre 5% e 10% das espécies que habitam florestas tropicais poderão estar extintas dentro dos próximos 30 anos[2].
A sociedade moderna - particularmente os países ricos - desperdiça grande quantidade de recursos naturais. A elevada produção e uso de papel, por exemplo, é uma ameaça constante às florestas. A exploração excessiva de algumas espécies também pode causar a sua completa extinção. A introdução de espécies animais e vegetais em diferentes ecossistemas também pode ser prejudicial, pois acaba colocando em risco a biodiversidade de toda uma área, região ou país[2].

Daí ser também pertinente, quando se fala de “Valor da Biodiversidade”, saber com clareza quais e o que são os seus pontos críticos: "um ponto crítico (hot spot) de Biodiversidade é um local com muitas espécies endêmicas. Ocorrem geralmente em áreas de impacto humano crescente. A maioria deles está localizada nos trópicos. Como pontos importantes destacámos o Brasil, que tem 1/5 da Biodiversidade mundial, com 50 000 espécies de plantas, 5 000 de vertebrados, 10-15 milhões de insetos, milhões de micro-organismos, e a a Índia, que apresenta 8% das espécies descritas, com 47 000 espécies de plantas e 81 000 de animais.

É porque o “Valor da Biodiversidade” estar na ordem do dia e fazer parte das preocupações dos mais dirigentes, que, assim, reconhecem que de facto, existe “Valor” que “2010 foi declarado pela ONU o Ano Internacional da Biodiversidade, como celebração da vida na Terra e do valor da biodiversidade para a vida humana”[1]. Assim e em jeito de conclusão fica o retrato desse evento marcante e palavras que o marcaram e que são bem exemplificativas da importância crescente do assunto: o Ano Internacional da Biodiversidade foi lançado oficialmente pela Presidência da nona reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), no Museu de História Natural de Berlim. Na presença de mais de 400 participantes a chanceler alemã, Dra. Angela Merkel, exortou o mundo a tomar as medidas necessárias para proteger a diversidade biológica da Terra. O lançamento oficial decorreu a 11 de Janeiro, dia em que a Agência Europeia do Ambiente lançou a primeira de 10 mensagens comemorativas, designada por Alterações Climáticas e Biodiversidade:

A variedade da vida sustenta o nosso bem-estar social e económico e será cada vez mais um recurso indispensável na luta contra as alterações climáticas. No entanto, os nossos padrões de consumo e de produção estão a privar os ecossistemas da sua capacidade de resistir às mudanças do clima e prestar as suas funções, de que tanto precisamos. À medida que se entende mais sobre as repercussões das alterações climáticas sobre a biodiversidade, torna-se claro que não podemos resolver as duas crises separadamente. A sua interdependência obriga-nos a enfrentá-los em conjunto.” [1]

Com tamanha importância, com tanto valor, é preciso evitar a perda da biodiversidade.

[1] - http://www.camarasverdes.pt/tema-especial/415-biodiversidade-vital-para-o-bem-estar-da-humanidade.html, consultada em 28 de Março de 2012
[2] -  http://www.enciclopedia.com.pt/articles.php?article_id=622, consultada em 28 de Março de 2012

Bibliografia:
- Araújo, M. (1998) Avaliação da biodiversidade em conservação. Silva Lusitana 6(1). Disponível em: http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/course/view.php?id=66651. pp. 19-40.
- Azeiteiro, U., 2009. Biodiversidade e Serviços do Ecossistema. Estudo e Conservação da Biodiversidade. Txt de Apoio – UT1. DCeT. UAb. 
- Lovejoy, T.E. (1996) "Biodiversity: what is it?" In Biodiversity II. Disponível em: http://www.moodle.univ-ab.pt/moodle/course/view.php?id=66651. pp. 7-14
- Vaz, S. & Delfino, A. (2010). Livro de Ética e Cidadania Ambiental. UAb
- Wilson, E.O., 1988. The current state of biological diversity. Pp. 3-18 in Biodiversity, E.O., Wilson and F.M., Peter, eds. Washington, D.C.: National Academy Press.

1 comentário:

Azucena de la Cruz disse...

Olá José,
Considero muito interessante a referência que faz à legislação. De facto é uma componente muito importante para a conservação da biodiversidade, não apenas porque é essencial para garantir a conservação de muitos territórios e espécies, mas também porque a evolução da legislação sobre biodiversidade tem acompanhado uma tomada de consciência por parte da população mundial e os decisores políticos sobre a importância e o valor da biodiversidade.
Claros exemplos disto são as leis de proteção dos recursos genéticos, criadas a raiz da perceção do incalculável valor comercial que potencialmente tem os recursos biológicos. Outras leis ou princípios jurídicos como o do “quem poluí, paga” são baseados também na valoração económica dos ecossistemas. Assim, se fazemos com que o preço da degradação seja mais alto que o benefício da mesma, poderemos controlar a degradação do meio, estamos a internalizar o custo da degradação do ecossistema.
Assim, vemos que a legislação sobre a biodiversidade, apesar de ainda ter muito caminho a percorrer em termos de aplicação efetiva, acompanha a evolução dos conhecimentos científicos em termos de biodiversidade, das suas ameaças e dos seu valor para o bem-estar humano.